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rei levava um annel muito rico, que deixou a rapariga encantada. Gabou-o muito com pena de o não poder comprar; mas a tendeira disse-lhe:

— Eu, minha menina, dou-lhe o annel se me der um beijinho; estou perdida por si; mesmo que seja por cima d’este véo que trago pela cara.

Quem mal não pensa mal não vê, a rapariga deu o beijo e ficou com o annel.

De tarde quando foi regar as flôres, appareceu o rei, como de costume:


Oh menina, visto ser

De tanta discrição,

Hade-me saber dizer

Quantas folhas tem o seu manjaricão?


E ella retrocou logo:


Vossa magestade que sabe

Lêr, escrever e contar,

Hade saber quantos bagos

De areia tem o mar?


O rei, que ficou calado, continuou:


E aquelle beijo que deu

Mesmo por cima do véo?…


A rapariga ficou capaz de morrer; fez-se muito vermelha e jurou de si para si que se havia de vingar. Vae um dia, veste-se de preta, e foi a casa do rei offerecer-se para criada; primeiro combinou com o seu criado, que de noite botasse na varanda do rei a cabra que tinham no quintal. O rei tomou logo a pretinha para si, porque era muito engraçada, e com medo que ella lhe fugisse deitou-a n’um quarto ao pé do seu, com uma fita amarrada ao braço d’ella. De noite o rei puchou pela fita e ainda a pretinha respondeu; mas assim que o rei pegou no pri-