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Assim que soube do dia em que o mercador sahiu da cidade, vestiu-se em trajos de velho pedinte, e quando anoiteceu estava e toda a sua quadrilha no canto da rua onde moravam as trez meninas. Veiu o capitão bater-lhes á porta, e como estivesse chovendo, pediu pousada do ár da noite. As meninas mais velhas compadeceram-se d’elle, e queriam-no agasalhar; a mais moça disse:

— Não! lembrem-se da palavra que deram ao pae; dê-se-lhe uma esmola, e elle que vá com Deus.

Respondeu a mais velha:

— A menina como mais criança não determina nada aqui!

E o velhinho sempre entrou para dentro; deram-lhe na cosinha uma enxerga e cordas para elle estender a roupa, e puzeram-lhe a ceia diante. As meninas depois de terem arranjado o velho, foram tambem ceiar; eis senão quando o velho abriu a porta da cosinha e veiu ter com as meninas á meza e deu-lhes trez maçãs dormideiras, uma para cada uma comer á sobremeza. Ficou vendo se as meninas as comiam; as mais velhas comeram as suas, mas a mais moça não comeu e escondeu-a para o velho a não vêr e não desconfiar. Foram-se as meninas deitar e as mais velhas pegaram no somno muito depressa; mas a mais nova não dormiu com medo, mas fingia tambem que dormia. Quando o ladrão viu que estavam já dormindo, levantou-se e foi ao quarto das meninas, puxou um alfinete real, chegou ao pé da menina mais velha e deu-lhe uma picada a vêr se estremecia. Ella não sentiu a picada. Fez o mesmo á segunda; não sentiu. A mais nova com medo do ladrão a matar, fez-se dormindo, elle fez-lhe o mesmo e ella não sentiu.

O ladrão trazia comsigo uma espada, uma pistola e uma mão de finado e pôz n’uma banca estas coisas todas. A menina mais nova abriu os olhos para vêr a determinação do ladrão, e tornou-os a fechar. O ladrão accendeu o lume á mão do finado para as meninas ficarem mais