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guntou a todas as damas da côrte de quem seria aquelle annel. Todas quizeram vêr se o annel lhes servia; foi passando, até que foi chamada a cosinheira, e só a ella é que o annel servia. O principe viu isto e ficou logo apaixonado por ella, pensando que era de familia de nobreza.

Começou então a espreital-a, porque ella só cosinhava ás escondidas, e viu-a vestida com trajos de princeza. Foi chamar o rei seu pae e ambos viram o caso. O rei deu licença ao filho para casar com ella, mas a menina tirou por condição que queria cosinhar pela sua mão o jantar do dia da bôda. Para as festas do noivado convidou-se o rei que tinha as trez filhas, e que puzera fóra de casa a mais nova. A princeza cosinhou o jantar, mas nos manjares que haviam de ser postos ao rei seu pae não botou sal de proposito. Todos comiam com vontade, mas só o rei convidado é que nada comia. Por fim perguntou-lhe o dono da casa, porque é que o rei não comia? Respondeu elle, que não sabia que assistia ao casamento da filha:

— É porque a comida não tem sal.

O pae do noivo fingiu-se raivoso, e mandou que a cosinheira viesse ali dizer porque é que não tinha botado sal na comida. Veiu então a menina vestida de princeza, mas assim que o pae a viu, conheceu-a logo, e confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era amado por sua filha, que lhe tinha dito, que lhe queria tanto como a comida quer o sal, e que depois de soffrer tanto nunca se queixára da injustiça de seu pae.

(Porto.)


51. AS CRIANÇAS ABANDONADAS

Um pobre homem casado tinha muitos filhos, sem ter que lhes dar a comer; de uma vez, quando os pequenos já estavam deitados, disse elle para a mulher: