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com a mulher morta debruçada ao postigo. Todos os que a conheciam disseram pela mesma bocca: — Foi castigo, foi castigo.

(Algarve.)




64. AS FAVAS

Era uma vez um rei que tinha por costume andar de noite escutando pelas portas para saber o que se passava. Viu luzir por um buraco da fechadura, chegou o ouvido á escuta, e estavam uns sujeitos conversando. Dizia um:

— Eu antes queria uma noite dormir com a rainha, do que ter muitos contos de reis.

O rei ouviu aquillo e tomou-o de olho. No dia seguinte mandou-o vir ao palacio. O rapaz ia muito atrapalhado da sua vida. O rei tinha dado ordem ao seu cosinheiro de lhe fazer um jantar com favas cosidas em agua e sal, favas guisadas, favas ensopadas, favas com arroz, favas com presunto, emfim, favas de todos os feitios. Assim que o rapaz appareceu na presença do rei, este levou-o para uma mesa, e disse-lhe que era para lhe offerecer de jantar.

O rapaz obedeceu; vieram as favas cosidas, comeu. Vieram as favas guisadas, comeu; vieram favas ensopadas, comeu. Por fim já não podia mais, e o cosinheiro sempre a trazer-lhe favas de todos os feitios. O rapaz já estava tão farto e enjoado de favas, que pediu aos criados que lhe não trouxessem mais.

Veiu o rei á sala de jantar, e perguntou-lhe:

— Então, porque é que não comes mais?

— Oh, senhor! isto tudo são favas; comi muitas no principio, mas agora estou farto de favas.

— Sim, tudo são favas, quer sejam cosidas ou ensopadas. Pois vá-se você embora, e não torne a dizer que dava toda a riqueza do mundo para dormir uma noite