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ram-se com esta desgraça, e o compadre assim é que pagou a sua divida e ficou rico.

(Porto.)




87. O SOLDADO QUE FOI PARA O CÉO

Ia uma vez um soldado para casa com a baixa; quando ia a passar por uma ponte encontrou um pobre de pedir, que não tinha dinheiro para pagar a passagem e estava ali parado. Ora o soldado nunca tinha feito bem a ninguem; mas n'aquelle instante teve pena do velhinho e carregou com elle ás costas e passou a ponte. O soldado não pagou nada, porque os soldados não pagam, e o velho tambem não pagou nada porque ia ás costas do soldado. Logo que chegou ao outro lado, pôz o velho no chão, e ia despedir-se d'elle, quando o pobre lhe disse:

— Camarada, peça alguma cousa, que o que eu quero é agradecer-lhe.

— Ora o que lhe heide eu pedir?

— Peça tudo o que quizer.

O soldado pediu: Que todas as vezes que disser: «Salta aqui á minha muchilinha!» nenhuma cousa deixe de obedecer á minha ordem. E que onde quer que me eu assente ninguem me possa mandar levantar.

O velho disse-lhe que estava concedido. Foi-se o soldado muito contente para casa e nunca mais trabalhou, e viveu bem, sem lhe faltar nada. Se queria pão, carne, vinho, dinheiro, dizia: «Salta aqui á minha muchilinha», e tinha logo tudo o que lhe era preciso. Veiu o tempo e o soldado estava para morrer; os diabos vieram logo para lhe levarem a alma, mas o soldado viu-os e gritou: «Saltem aqui já á minha muchilinha!» Os diabos não tiveram remedio senão obedecer; elle assim que os apanhou dentro da muchila mandou-a a casa do ferreiro para