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— Está um bocadinho insonso; bem precisa de uma pedrinha de sal.

Tambem lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:

— Agora é que com uns olhinhos de couve ficava, que os anjos o comeriam.

A dona da casa foi á horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e ripou-as com os dedos deitando as folhas na panella.

Quando os olhos já estavam aferventados disse o frade:

— Ai , um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça…

Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço; elle botou-o á panella, e emquanto se cosia, tirou do alforge pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panella ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que estava com os olhos n’elle, perguntou-lhe:

— Oh senhor frade, então a pedra?

Respondeu o frade:

— A pedra lavo-a e levo-a commigo para outra vez.

E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.

(Porto.)



92. A ENFIADA DE PETAS

Era uma vez um homem, que não pôde pagar a renda ao fidalgo de quem era caseiro, e foi-lhe pedir perdoança; o fidalgo pensou que o que elle estava era a mentir, e disse-lhe:

— Só te perdôo as medidas da renda se me disseres uma mentira do tamanho de hoje e amanhã.

Foi-se o lavrador para casa e contou a cousa á mulher sem saberem como se haviam de arranjar com o senhorio, que os podia pôr no olho da rua. Um filho tolo, que tinha, disse-lhe: