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— Com essa me rio eu. Pois com que pé heide ir pedir a meu irmão para me guardar a caixa, estando nós desavindos?

— Tu não sabes da missa a metade. Vae ao compadre e dize-lhe que chegou tropa, e temos aquartelados em casa, e com medo do que dér e vier lhe pedes para te guardar a caixa.

Dito e feito. O irmão pobre esteve por tudo e ficou muito glorioso de guardar a caixa das riquezas do irmão que sempre o desprezára; puzeram-a junto da lareira. Como era já de noite, o rico despediu-se, e n'isto começam os rapazes seus sobrinhos a fazer-lhe figas nas costas, e a gritar:

— Hoje ha carne assada! hoje ha carne assada! O novilho chega para todos tomarem uma barrigada.

A mulher do irmão rico deu um estremeção dentro da caixa, com raiva. Os rapazes callaram-se e disseram uns para os outros:

— Estão ratos na caixa.

— Deixal-os, vamos nós comendo; a estas horas a mulher de meu irmão está roendo as unhas de pêrra que ella é.

N'isto a comadre deu outro estremeção de furiosa.

— A caixa está cheia de ratos, com certeza.

— Bota-se-lhe agua a ferver.

— Mas por onde?

— Aqui está um buraco. Foi por onde elles entraram.

Vão á panella da agua para os pés e despejaram-na para dentro da caixa. A comadre e tia, que estava dentro d'ella, morreu sem tugir nem mugir.

O irmão rico estava com curiosidade de saber da experiencia e foi buscar a caixa; o irmão pobre entregou-lha logo. Pelo caminho já lhe perguntava:

— Sempre foram elles que roubaram a carne?

Nada. Chegou a casa e quando abriu o caixão deu com a mulher morta, e negra com as escaldaduras.