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— Ai, que ella morreu excommungada! Foi castigo de levantar esse aleive a meu irmão.

Tratou-se do enterro, e a mulher foi depositada na egreja para se lhe fazerem os officios no outro dia. Disse então o irmão pobre para a mulher:

— Se eu fosse de noite á egreja, tirava as joias que a excommungada leva para a cova.

— Lá isso faz penna vêr estragar dinheiro.

O homem lá se introduziu conforme pôde na egreja, e fez uma trouxa de tudo o que pôde tirar á comadre excommungada. Não contente pegou no corpo e foi encostal-o no altar-mór com o missal aberto diante. Quando o sacristão veiu de manhã, ficou de queixo cahido e correu a dar parte ao parocho da freguezia. Este foi entender-se com o marido da defunta que pagou bem os exorcismos, e o corpo enterrou-se logo depois de vestido e enfeitado com mais joias. O compadre pobre lembrou-se de ir furtar tudo isto ao cemiterio. De noite, quando estava desenterrando a excommungada, ouviu vozes ao pé do cemiterio. Pôz-se a escutar, e pelo que pescou, viu que eram uns estudantes que vinham de furtar um porco, e o tinham pousado em cima do muro do cemiterio. Diz agora um d'elles:

— Falta-me o relogio! E esta? vou por elle.

— Eu vou comtigo. Não ha perigo que ninguem nos venha aqui tirar o porco.

O pobre assim que não sentiu ninguem foi ao logar onde pousaram o porco, e tirou-o de dentro de um sacco, onde estava, metteu dentro a excommungada, deixou-a ficar e safou-se com o porco para casa. Quando os estudantes vieram, pegaram no sacco, e foram ter a casa de uma taberneira para lhes arranjar uma ceia; vão para abrir o sacco e dão com a mulher morta. A estalajadeira berrou logo:

— Ai, que ella é a excommungada!