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— Oh meu amo, o caldo está muito quente.

— Pois sópra-lhe.

No dia seguinte o rapaz despediu-se, entendendo lá para si que lhe não convinha servir n'aquella casa, onde nem tempo dariam para comer. Foi-se offerecer a casa de outro lavrador; aconteceu a mesma cousa; ao começar a comer o caldo, disse:

— Oh meu amo, o caldo está muito quente.

— Pois espera que arrefeça.

O moço tambem resolveu não ficar servindo n'aquella casa, cuidando que lhe dariam tempo sem mais nada. Foi-se embora ao outro dia, e chegou a casa de outro lavrador, que o tomou para o serviço. Á ceia disse o moço:

— Oh meu amo, o caldo está muito quente.

— Pois miga-lhe brôa.

O rapaz disse lá para si, que aquella era a casa que lhe convinha, e ali se deixou ficar.

(Airão.)




111. PARA QUEM CANTA O CUCO?

Dois visinhos ouviram cantar o cuco, e tomaram como agouro que era signal de infidelidade de suas mulheres.

Disse um:

— O cuco cantou mas foi para ti.

— Nada, isso não póde ser. Para ti é que elle cantou.

Pegam de teimar, e como nenhum cedia resolveram ir consultar um letrado. Chegaram lá, o letrado ouviu-os, e depois de botar a livraria abaixo, disse:

— Deposite cada um dois pintos antes de tudo.

Os visinhos entregaram o dinheiro ao letrado, anciosos de ouvirem a sua sorte; e depois que elle metteu os pintos na algibeira, fingiu um semblante triste, e disse:

— Vão-se embora na paz do senhor, porque para mim é que cantou o cuco.

(Porto.)