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117. AS ORELHAS DO ABBADE

Um sujeito bom caçador convidou o abbade da sua freguezia para ir comer com elle duas perdizes guisadas, e deu-as á mulher para as cosinhar. A mulher, raivosa por não contarem com ella, cosinhou as perdizes e comeu-as. N'isto chega o abbade muito contente, e diz-lhe a mulher:

— Fuja, senhor abbade, que o meu homem jurou que lhe havia de cortar as orelhas, e isto das perdizes foi um pretexto para cá o pilhar.

O abbade não quiz ouvir mais, e elle, por aqui me sirvo.

O marido chega, e diz-lhe a mulher:

— O abbade ahi veiu, viu as perdizes, e não querendo esperar mais por ti, pegou n'ellas ambas e foi-se embora.

O homem vem á porta da rua, e ainda vê o abbade fugindo, e começa de cá a gritar:

— Oh, senhor abbade! Pelo menos deixe-me uma.

— Nem uma, nem duas! Respondeu elle lá de longe.

(Ilha de S. Miguel.)




118. OS DUZENTOS CARNEIROS

Era uma vez um pastor, e andava no matto com duzentos carneiros; veiu uma trovoada, e elle quiz recolher o rebanho para o curral, chamou os carneiros e pôz-se a caminho. Chegou ao pé de um rio muito fundo, onde havia uma ponte, e de cada vez só podia passar um carneiro. Começou a passar um a um.

(N'este ponto o narrador cala-se, e as crianças que o escutam, depois de alguns momentos, vem com a pergunta:)