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nem frade d'hy já nom a conhecia;
nem o abade us'outrosy nom estar,
sol nom queria que fosse y pousar,
et anda já fora da abbadia.
Em Santyago seend'albergado
em mha pousada, chegarom romeus;
preguntey-os et disserom: Par deus,
muyto levadel-o o caminho errado;
ca se Verdade quiserdes achar
outro caminho conven a buscar
cá num sabem aqui d'ela mandado.[1]

As tradições eruditas da primeira Renascença receberam tambem uma fórma litteraria entre os latinistas ecclesiasticos; da Bibliotheca de Alcobaça subsiste ainda a traducção portugueza da Visão de Tundal, sobre cujo thema, o da descida aos infernos, Dante escreveu a Divina Comedia, tradição que os padres da Egreja tomaram do Eucrates do Philopseudes de Luciano. D'esta corrente erudita deriva essa allusão do cavallo-fada Pardallo, citado no conto da Dama pé de cabra, que é evidentemente uma fórma do Pardulus de Aristoteles. No Orto do Esposo descrevendo-se os costumes da panthera, Frei Hermenegildo de Payo Pele, introduz o conto do animal agradecido: «Aconteceu hua vez que hum homem livrou da morte os filhos d'esta besta. E este homem cayo em hua cova e a besta o tirou fóra d'ella e o poz em salvo do deserto hindo com elle muy leda e afagando-o, em guisa que parecia que lhe dava graças.»[2]

D'este cyclo erudito da primeira renascença data o conhecimento dos Gesta Romanorum em Portugal. Azurara, na Chronica da Conquista de Guiné, cita «as obras dos Romãos[3] Na Bibliotheca do rei Dom Duarte guardava-se a collecção hespanhola do Conde de Lucanor, uma traduc-

  1. Cancioneiro portuguez da Vaticana, n.º 455.
  2. Orto do Esposo, fl. 73, v.
  3. Op. cit., ed. de Paris, p. 148.