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INTRODUCÇÃO

e o typo dos patranheiros populares derivarão dos costumes mouriscos das zambras? As suas raizes são mais profundas, derivam da primitiva raça do occidente; na Grecia havia uma classe de mulheres chamadas paramythia encarregadas de contarem contos por officio; Guthrie descrevendo os velhos costumes da Russia, diz: «Observa-se tambem nas casas dos grandes, mulheres encarregadas de contar contos, Skaski… A sua occupação consiste em entreter suas amas até que ellas adormeçam, com contos semelhantes ás Mil e uma Noites arabes, antiquíssimo costume entre os orientaes.»[1] Conhecida a intima relação que existe entre os contos russos e os sicilianos, comprehendemos a relação que deve haver entre os Skaski russo e os Chascos ou Chascarilhos com que ainda no seculo XVII se designavam em Hespanha os Contos facetos.[2] Esse elemento mongolico que no seculo XIII propaga na Russia e no norte da Europa as ficções orientaes, é o mesmo que no occidente sob a corrente iberica produz esta similaridade de tradições e de costumes.

Usavam-se os contos, na Edade media, á meza dos principes, sob o nome de Rumor. Na descripção das festas do casamento do principe D. Affonso vem:

Depois ledos tangedores
Á meza ...........................
Fizeram fortes rumores.

Camões empregou este termo na locução: «O rumor antigo conta.» O conto do Boi Cardil parece-nos ter sido objecto de um d'estes rumores, como se deprehende dos versos latinos:

Ad mensam magni principis
Est rumor unius bovis…

  1. Antiquités de Russie, p. 151.
  2. Ticknor, Hist. da Litteratura hesp., t. III, p. 25, not. 38.