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INTRODUCÇÃO

ainda com a carocha, é esta historia o feitiço das crianças.» (Op. cit., p. 8.) Nas outras suas obras metricas tem este poeta muitas fabulas dispersas, que nos explicam a superioridade artistica pela sua intuição tradicional.[1]

No seculo XVII o Conto recebia em Portugal duas poderosas influencias; Francisco Rodrigues Lobo, na Côrte na Aldeia procurava submettel-o ás regras litterarias, discriminando os seus generos e estabelecendo o modo de narral-o; por outro lado Saraiva de Sousa, no Baculo pastoral, o padre Manoel Bernardes na Floresta e Estimulo pratico limitam o Conto no destino ascetico, e Vieira na intenção moral.

No dialogo X da Côrte na Aldeia, traz Rodrigues Lobo a Historia dos amores de Aléramo e Adelasia, da qual diz um dos seus interlocutores: «poderá servir — no modo como se devem contar outras semelhantes, com boa discrição das pessoas, relação dos acontecimentos, razão dos tempos e logares, e uma pratica por parte de alguma das figuras, que mova mais a compaixão e piedade, que isto faz dobrar depois a alegria do bom successo. — Esta differença me parece que se deve fazer dos Contos para as Historias, que ellas pedem mais palavras que elles, e dão maior logar ao ornamento e concerto de rasões, levando-as de maneira que vão aperfeiçoando o desejo dos ouvintes, e os Contos não querem tanto de rhetorica, porque o principal em que consistem é na graça do que falla, e na que tem de seu a coisa que se conta.» Em applicação d'estas regras apresenta a Historia dos amores de Manfredo e Eurice, á imitação dos novellistas italianos, com divagações de estylo rhetorico, para confrontal-as com as narrativas populares «com mais bordões e moletas do que tem uma casa de romaria, porque me não esca-

  1. Traz o anexim: Cantar mal e porfiar, derivado da fabula do corvo querendo cantar com a philomela, do Dialogus criaturaram, de Nicoláo de Pergamo. (Ap. Du-Méril, Hist. de la Fable, p. 152, nota.)