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131. EXEMPLO DOS TREZ AMIGOS

E desto põoe a Escriptura hum exemplo hu conta de hum homem que tiinha trez amigos, hum amava mais que sy, e outro tãto como sy, e ó outro menos que sy. E este homem foy chamado a juizo perante el rrey. E ell temendosse de morte, chegou ao primeiro amigo que amava mais que sy e diselhe que se fosse com ell ante el rrey. E ell disse que nom ousava de hir ante ell rrey, mas pois, se ell temia de morte, que lhe baratarya cinquo varas de pano que levasse ante os olhos. E des y chegou ao segundo amigo que amava tanto como sy e disse lhe que lhe acorresse e que lhe fosse boo, que nom avya em ell se nom morte. E ell diselhe que pois hy al nõ avya, que irya com ell ataa porta. E des y tornousse ao terceiro de que avia vergonça por que o amava tam pouco e disselhe que lhe accorresse, que nom avia em el vida. E ell estbrçouo e disselhe que nom ouvesse medo: que ell yria com ell ante ell rrey e rrogarya por ell que ouvesse dell mercee. E por esso diz o sabedor: «O boo amigo nõ fallece aa coyta.»

E este homem sinyfica cada hum daquelles que vivem em este mundo. E estes tres amigos, hum delles he a rryqueza que o homem ama mais que sy, aventurando a alma e o corpo a grandes perigos pollas ajuntar, e quãdo vem a hora da morte, leyxaas com grande dolor, e vaasse dellas desejoso que non leva dellas senõ hum pouco de pano em que o envolvem. E por esto diz o sabedor: «Oo mundo, quem te ama, non te conhece.» O segundo amigo he a molher e os filhos que o homem ama tãto como sy, e quando vem a hora da morte dõoesse delle, mas polla falha que lhe fara e por a pena que el avera por quanto a ca trabalhou pollos manter, des y vãa com ell ataa cova, e non curam del mais. E por esso diz Job: «Os vermens sõ aly os seus irmãoos.» E o terceiro amigo he mi-