— O dou ao demo a canalha; que, como se sentem vestidos não ha quem possa com elles.
(Trancoso, Contos, P. i, conto x. Ainda se repete na tradição popular do Porto.)
Aconteceu que um domingo, estando um ermitão á porta da ermida, viu atravessar pelo campo um pobre lavrador carregado de rêdes e armadilhas, que a seu parecer ia armar aos passaros. O ermitão chegou a elle, e lhe perguntou de donde era e adonde ia; o qual respondeu:
— Sou de meia legua de donde estamos, e entendi hoje na estação que fez o cura, que o Espirito Santo deceu ao mundo em figura de pomba, e eu desejo de o vêr e achar, e tomei estas rêdes emprestadas, e venho-as armar, e se o posso aver n’ellas, lhe ei de pedir que aja misericordia comigo, dando-me mantença para cada dia, que eu e minha mulher com pão e agua da fonte nos contentamos.
O bom do ermitão, visto isto, levou á ermida e deu-lhe quasi todas as offertas que aquelle dia avia recebido, e lhe disse:
— Irmão, tomae isto, comei vós e vossa mulher; mas é necessario que me digaes qual quereis mais — um real bem ganhado, ou cento mial ganhados?
O pobre homem tomou o pão, e com alegria se foi a sua casa, dizendo ao Ermitão que averia conselho com sua mulher, qual era melhor, e tornaria a dizer-lh’o. E tornando a casa, comeram contentes, e ouveram conselho qual tomariam — um real bem ganhado ou cento mal ganhados; quizeram ambos de um accordo um real bem ganhado, antes do que cento mal ganhados, e com isto