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davia o quizesse mandar matar, que dissesse o pregão, — que morria por não ser obediente a seu pae, nem tomar seu conselho.

E o Duque, visto isto e entendendo a verdade do caso, mandou que fosse solto e perdoado da culpa que teve, e que soffresse o desgosto de ter sempre sua mulher comsigo, sem nunca pelo passado lhe dar remoque, nem fazer aggravo, porque visto o que succedera estava arrependida do que fizera, e que em tudo d'ali por diante guardasse os conselhos de seu pae, assi como lh'os prometteu guardar.

(Trancoso, Contos, Parte I, n.º XI.)




158. A PROVA DAS LARANJAS

Um tabalião foi de publico e judicial em um logar de Senhorio, e chegando a edade que não podia servir o officio, pediu ao senhor da terra, que lhe fizesse mercê d'elle para um filho, que tinha tres já homens, e que cada um d'elles era sufficiente para o servir. E o senhor, por lhe fazer mercê, disse que lhe aprazia, porém, que queria vêr os mancebos um por um, para vêr qual seria melhor empregado, e que assi o daria.

O velho folgou d'isso, e mandou primeiro o mais velho, que apresentando-se ante o senhor, lhe disse que elle era o filho do tabalião; que sua senhoria mandara vir ante si para lhe fazer mercê do officio de seu pae, se lhe parecesse, para o servir n'elle. A este tempo o Senhor tinha na sua sala uma bacia grande, cheia de agua, e estavam n'ella laranjas, a saber, quatro inteiras e sete partidas pelo meio, com o agro para baixo, e o pé ou o olho para cima, que ao parecer de quem não no attentara bem pareciam todas inteiras. E tanto que o mancebo deu o recado, lhe respondeu o Senhor que logo o averia,