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de certeza se é vivo ou morto; se este meu filho fôr vivo e apparecer como eu desejo, quero que a quem ora deixo por meu testamenteiro e universal herdeiro d'esta minha fazenda lhe dê ao dito meu filho o que quizer, sem ser constrangido a outra cousa, e a demasia lhe fique.»

E d'esta maneira houve seu testamento por acabado, e d'esta enfermidade morreu. Soube-se sua morte na terra onde estava o filho, o qual ouvindo a morte de seu pae e da grossissima fazenda que deixou, partiu d'onde estava e veiu a sua casa; e entrou por ella como por casa propria, perguntando quem tinha aquella casa e fazenda. Foi-lhe dito quem e por que titulo; e elle disse quem era, e foi conhecido por velhos que foram criados de seu pae. O mordomo, que o ouviu e entendeu bem isto, lhe respondeu:

— Esta fazenda, ainda que ficou de vosso pae, é toda minha, e não tendes n'ella mais do que dar-vos eu o que eu quizer. Vêde o testamento de vosso pae, que elle vos desenganará, que vos não devo mais que dar-vos o que eu quizer.

E mostrou-lhe a verba do testamento, que o dizia assi á lettra, como já declaramos. E o mancebo lhe pedia que fizesse conta que eram irmãos e que partisse pelo meio o qual o mordomo não quiz. Visto isto, disse o mancebo:

— Ora, já que sois obrigado a dar-me alguma cousa, pois diz que me dareis o que vós quizerdes, pergunto, que é o que vós me quereis dar, pois meu pae o deixou em vosso alvedrio?

Respondeu que lhe daria como cinco mil cruzados, valendo a fazenda mais de cem mil. Rogaram ao mordomo que desse o que fosse honesto, elle nunca quiz vir em nenhum arresoado, pelo qual o demandou, e ambos vieram a juizo e ambos houveram o testamento por bom; porém dizia um, que seu pae o não podia desherdar sendo vivo, nem nunca tivera essa tenção. Dizia o mordomo:

— Já teu pae presumia que eras vivo, e para vivo man-