Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/406

cepe e ella foram levados a uma camara rica donde tinham seu leito, em que o princepe se deitou com mostras de tanto pesar por se vêr casado contra seu gosto, que ninguem lhe podia vêr o rosto, nem elle quiz vêr o da princeza, mas deitado na cama virando-se para a dianteira e ella da outra parte voltada para a parede estiveram sem se verem nem fallarem um ao outro esta noite e outras muitas. Uma noite, estando o princepe e a princeza na cama, segundo seu costume, ou viu um rumor na camara, e era tal, que parecendo-lhe fosse alguma treição se ergueu do leito, e com a espada na mão foi para aquella parte adonde o rumor parecia, e ali nem em toda a casa não havia cousa que se podesse temer, nem mostras que dessem suspeita do que fôra, que elle pôde vêr tudo bem porque tinha um brandão acceso que alumiava a casa toda. Vista a quietação, deixou a espada e tornou-se ao leito, e como a este tornar levasse o rosto para a cama donde a princeza jazia, ainda que estava virada para a parede viu-lhe a cabeça em que tinha uma coifa feita de ouro tirado com algumas perolas riquissimas que davam de si muito lustro e faziam que os fermosos cabellos, que estavam debaixo se differençassem na côr do ouro. Elle vendo o resplendor da coifa, sem saber determinar comsigo o que seria aquillo, considerando que a velha tinha os cabellos muito alvos, desejou affirmar-se que era o que via, chegou mais perto, viu-lhe o rosto muito alvo e fermoso. Ficou mais maravilhado do que se póde imaginar, porque viu que era a mais fermosa e bella criatura que seus olhos viram. Não podia acabar comsigo de crêr que aquella fosse a velha, que elle cuidava tinha comsigo, porque lhe parecia, como na verdade era, moça que não passava de catorze annos, alva e loura.

Vista pelo princepe a fermosa dama que tinha com sigo, pediu-lhe se voltasse pera elle; por que se não desconcertasse no termo, inda que era sua mulher e elle