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lher honrada achou não é vossa, pois n'ella faltam esses ducados venezianos que dizeis; antes essa bolsa que se achou sem duvida nenhuma é uma que esse proprio dia perdeu um meu criado com esta mesma somma de dinheiro que essa tem, e pois sendo assim como é, a mim e não a vós pertence.

E dizendo isto, virou-se para onde estava a velha, e lhe disse:

— Boa mulher, pois que achastes esta bolsa com estes cruzados de ouro, eu vos faço graça d'ella com o dinheiro que tem.

Não se atreveu o inconsiderado avarento a replicar ao que o Duque dizia; antes arrependido de não haver cumprido a palavra que promettera se foi para sua casa chorar seu desastre.

(Trancoso, Ibid., Parte III, conto VII.)




170. O CAPÃO TORNADO SAPO

Houve um homem pobre, o qual veiu a ter muita fazenda, e não tendo mais que um filho, certa gente procurou de o casar com uma filha sua; a nóra o começou (como costumam) a aborrecer tanto, que o não podia vêr; e como mulheres muitas vezes podem muito no mal, pôde tambem com o marido, para que aborrecesse seu pae, de modo que tambem o não podia vêr; o pobre pae morria de fome, seu comer eram favas muito ruins, e com esta grande fome chegou um dia á porta do filho pedindo que lhe désse de comer; tinha um capão cosido para jantar, mas logo o escondeu mettendo-o em uma arca, e dando ao pae uma tigella de favas, o deitou pela porta fóra, e acabando de as comer, despois que se foi, disse á mulher: — Agora comeremos á nossa vontade, ide buscar o capão; — o qual o achou que se tinha tornado