Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/431

180. O ROUBO DO VESTUARIO

Mais agudo andou outro, que vendo entrar pela ponte de Coimbra um forasteiro bem vestido armou a lhe furtar o fato na volta; e armou bem para seu intento, porque o esperou no bocal de um poço, que está na estrada por onde havia de passar, chorando sua desgraça, e que lhe cahira n'aquelle instante uma cadêa de ouro dentro do poço e que daria um dobrão a quem lh'a tirasse. Moveu-se á compaixão o passageiro, que devia de ser homem de bem, senão que o picou o interesse, e por isso não presumiu de malicia; gabou-se que sabia nadar como um golfinho e que lhe tiraria a cadêa de mergulho. O matalote da cadêa, tanto que o viu debaixo da agua, tomou as de Villa Diogo com todo o fato e cabana.

(Padre Vieira, Ibidem, p. 278.)




181. A ROUPA DOS MENDIGOS

Um fidalgo piedoso lançou um pregão na sua terra, que tal dia dava um vestido novo por amor de Deus a cada pobre. Ajuntaram-se no seu pateo infinitos, e a todos deu vestidos novos, mas obrigou-os a que logo os vestissem, e tomou-lhes os velhos, e n'elles achou bem cosida e escondida por entre os remendos maior quantidade de dinheiro vinte vezes que a que tinha gasto nos vestidos.

(Padre Vieira, Arte de furtar, p. 316.)