Página:Contos e phantasias (Maria Amália Vaz de Carvalho, 1905).pdf/107

CONTOS E PHANTASIAS
101

O mais modificou-o e transformou-o á sua vontade.

Detestava as ruinas por instincto.

As vastas salas apainelladas e forradas de custosos pannos de Arrás, mandou-as estucar á moderna, de côres claras e alegres, vendendo a um amador de curiosas velharias, — o mais caro que poude, já se entende — aquellas colgaduras ennegrecidas e esfiadas, cujo merito não havia nunca logrado perceber.

Vendeu igualmente a velha mobilia, que punha como que um perfume de grandeza extincta no arruinado casarão, as credencias marchetadas, os tremós de espelho partido ao meio, e em cuja moldura dançavam estranhas figurinhas, as cadeiras abbaciaes de couro e pregaria amarella, os cofres de pau santo, os tamboretes de carvalho, as reliquias d’um mundo que desabára.

Os dominios do visconde depois de transfigurados pelo seu opulento proprietario perderam aquelle aspecto desolador, saudoso e melancolico que os recommendava aos artistas e aos... morcegos.

Ninguem por mais phantasioso e poeta que fosse, seria capaz de evocar na sombra dos longos corredores claustraes, uma d’aquellas figuras que são a graça mysteriosa do passado.