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CONTOS E PHANTASIAS

com os diplomatas; de musica, para criticarem o physico das cantoras; de artes para revellarem a cada instante a negação profunda que tinham para o bello.

Respeitavam e invejavam todas as superioridades sociaes; o dinheiro, a fidalguia herdada ou comprada, a posição, as honras, a formosura.

Desprezavam profundamente uma só cousa: a pobreza.

Quando viam alguem pobre, pouca ou nenhuma attenção lhe prestavam; mas se esse alguem tivesse a inaudita ousadia de apresentar uma ideia, uma opinião, um juizo, de contrarial-as, de escarnecer alguma das cousas que ellas acima de tudo reverenciavam viam-as então revellar um pasmo sincero, um espanto que tinha o seu quê de tragicamente ridiculo.

Um dia ouviu alguem a uma d’ellas este aphorismo extraordinario.

Quem é pobre não tem opinião.

E tinham um modo de levantar a voz, de alçar altivamente a cabeça, de sublinhar vigorosamente as palavras, que mais do que tudo confirmava que ellas como pessoas que possuiam duzentos mil réis por mez, só para os seus alfinetes, não tinham nunca imaginado sequer a possibilidade de não terem razão.