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CONTOS E PHANTASIAS
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Sento-me ao piano e toco, toco até me sentir sem forças.

Converso longamente com os amigos da minha mocidade, com os que me vestiram a alma da crystallina armadura que resistiu a todos os attrictos da miseria humana.

Conto-lhes as luminosas aspirações da minha adolescencia, a ideia que eu fazia da abnegação, do amor, do sacrificio; e os esforços que empreguei para me cingir sempre a essa ideia levantada e superior.

Conto-lhes o bello instante radioso em que na minha vida desabrochou a flôr mysteriosa que elles me haviam ensinado a julgar o premio mais dôce de um coração cheio de fé. E com que extremos eu cultivei essa flôr que um dia se desfez em cinzas nas minhas tremulas mãos! E como a doce illusão de a possuir me fizera melhor!

Depois conto-lhes a tempestade que subitamente fez sobre mim a sua explosão sinistra, e o meu desamparo e a minha dôr fulminadora, e a vacillação tremenda em que eu vi tudo que julgara immutavel prestes a desabar, deixando-me só ruinas!

Foi então que o amor d’elles me salvou, foi então que as suas vozes divinas me chamaram, e que, na esphera elevada em que elles moram, eu