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CONTOS E PHANTASIAS

— Deus te abençôe, minha filha, disse o velho ao despedir-se, e beijou Luiza na testa.

— Hoje tenho pouco somno, papá, fico ainda a lêr um bocadito na sala, se o papá quizer alguma cousa chame-me, sim? Vou acabar de lêr este livro, acho-o muito bonito. Gosto tanto da vida do mar!

— Filho de peixe sabe nadar, volveu o capitão sorrindo com o divino sorriso dos paes, que se crêem unicos senhores dos affectos dos filhos.

Passada meia hora, ouviu-se no quintal o ladrar continuo, frenetico e raivoso da Cigana.

O capitão gritou da cama:

— O que é aquillo, filha? A Cigana está hoje como nunca a vi. Vai socegal-a, se não tens somno, e prende-a. Naturalmente os pescadores saltaram-me á fructa. É o que é. Deixal-os lá, coitados! Estes dias tem havido pouco peixe. Não vá a Cigana fazer alguma das suas... Ora vae, anda, tem paciencia... Eu não vou porque me sinto fatigado e exquisito hoje... A Cigana ouvindo-te, socega...

Luiza desceu ao pateo.

Abriu com mão tremula a cancella e encostou-se vacillante, agitada e convulsa ao muro. O ladrar