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CONTOS E PHANTASIAS
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da cadella cessára. Adiantou-se. No fundo do jardim sob a latada, um vulto cosia-se com a parede. A pobre menina levou as mãos ao peito, como para socegar a douda violencia do coração que parecia suffocal-a; quiz fallar e não pôde. O corpo vergava-se-lhe frouxo, molle, sem forças...

De repente sahiu das sombras das arvores a Cigana, que se arrastou para Luiza, ganindo dilacerantemente, movendo com difficuldade a cauda, com a parte posterior do corpo quasi paralytica, escorrendo-lhe da boca uma baba espessa, com os olhos dilatados desmedidamente...

N’aquelle olhar que a claridade da lua deixava distinguir havia um pedido, uma supplica.

Cigana! exclamou Luiza.

Ouvindo aquella voz, a cadella, que se sustentava difficilmente nas patas dianteiras, ergueu ainda, por um supremo esforço, a cabeça, e, tomada de uma ancia afflictiva, convulsionando-se-lhe o corpo n’um estremecimento instantaneo, soltou um gemido rouco, escabujou violentamente, e cahiu morta aos pés da filha do capitão.

— A sua Cigana é muito má, mas ainda é mais gulosa, disse o vulto que se escondia sob a latada.

— Que mal lhe fez este animal, sr. Gouvêa? perguntou reprehensivamente Luiza, estrangulando-se-lhe a voz na garganta.