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CONTOS E PHANTASIAS
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Os olhos dos dous encontraram-se.

Margarida quiz saborear a voluptuosa tortura de vêr n’esses olhos o brilho de um satanico orgulho, de um triumpho sinistro e mau.

Não viu!

Eduardo teve tempo de inundal-a em um d’estes olhares doces, unctuosos, cheios de misericordia, de doçura, de perdão; em um d’estes olhares que só podem comparar-se ao olhar do Christo redimindo a Magdalena!

Só de longe a tinha visto de vez em quando nas salas do alto mundo: nunca lhe fallara então; não quiz humilhal-a fallando-lhe agora!

Ella sentiu que se lhe despedaçara no peito alguma cousa indispensavel á vida.

Apertou em torno do corpo friorento e emmagrecido as pregas do seu pobre chale preto, abaixou a cabeça instinctivamente, como se fizesse pender para a terra um pezo estranho, e continuou a subir devagarinho, arrimando-se á parede, aquella eterna calçada, cheia de agua e de lama.

Cahia uma chuva fria e miuda que lhe encharcava o fato.