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CONTOS E PHANTASIAS

carregadores, a voz arrastada dos Mineiros freguezes da casa, e a melopéa das quitandeiras na rua.

Os socios muito mais moços que Cerqueira puxavam-lhe pela lingua conforme a pittoresca locução do povo, e á sobremesa, recostados, com os charutos accesos, ouviam-no discretear alegremente.

Lembrava-se de tudo o sr. Cerqueira. Era uma chronica viva. Recordava-se da sua aldeia, narrava historias da sua infancia, descrevia com rudes mas pittorescas phrases a aula de primeiras letras, o abbade da freguezia, as proezas do tio frade, que com um varapáo nas unhas era homem para varrer toda uma feira, e enternecia-se até ás lagrimas, quando tocava no assumpto de despedida da mãe.

— Ah! vocês não imaginam! Não me sahe d’aqui! Parece que tenho um nó na garganta, quando me lembro d’aquelle momento. Abraçava-me a chorar e a soluçar que era uma cousa por maior! Inda me parece que a vejo ao pé das carvalheiras do adro da igreja, estendendo-me os braços de longe e gritando suffocada:

— Ah! rico filho, rico filho da minha alma!...

Que idade terá ella hoje? Ora, espera, eu tenho cincoenta e seis; ella, pelas minhas contas, vem a ter os seus setenta bem puxados... quem me dera vêl-a!