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CONTOS E PHANTASIAS

querer durar sempre? A pobre doentinha não o sabia.

Diante dos olhos d’ella dançava teimosamente um grande demonio escuro, com muitos bonitos nas mãos e com um bigode retorcido e triumphante.

Que vinha fazer alli aquelle demonio? Quem póde explicar o que são as visões de um delirio!

Depois uma certa noite, doce, allumiada, festiva. Que succedêra n’essa noite? Meu Deus! Ella brincára muito, ainda mais que o seu costume. Não lhe lembrava mais nada, senão que fôra deitar-se a chorar. Tambem não sabia porquê.

Desde então é que a sua vida mudára.

O pae repellia-a de si, sempre que ella lhe estendia os bracinhos, empurrava-a quando ella queria beijal-o!

Nunca mais houvera os serões do gabinete azul, nunca mais ouvira aquella voz paterna, tão grave, tão meiga, tão musical, acaricial-a como antigamente!

E a mãe?... A mãe definhava sósinha, mas n’aquella tristeza desolada, não admittia os beijos da sua Bertha d’outro tempo.

Um dia dissera-lhe asperamente, com um brilho secco no olhar:

— Vae-te d’aqui! És a causa da minha desgraça toda.