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CONTOS E PHANTASIAS
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Para essa é que a sua lyra tem cantos mais ardentes, o seu cinzel mais avelludadas caricias, a sua palêta côres mais suaves, a sua penna traços mais vivos, analyses mais delicadas, intenções mais graciosas e mais finas.

E como o coração dos homens é tão vasto que n’elle cabem dous cultos que se não prejudicam mutuamente, quasi sempre esses artistas de que fallamos tratam com o mesmo primoroso esmero dous typos de mulher bem diversos, e que representam como a dupla face do seu modo de sentir.

Um d’elles personifica a virginal creança cujas seducções mais irresistiveis se chamam innocencia, pudor, candura, ou ignorancia; lyrios que o orvalho da manhã corôa com um diadema de perolas, lyrios que uma aragem mais quente crestaria, e que o contacto de uns dedos brutaes lançaria por terra murchos e amarrotados. Outro, a mulher na plena posse da sua perigosa soberania, a mulher sereia que encanta e embriaga e mata, consciente dos seus maleficios, e gosando do seu fatal poder!

Consoante o espirito do artista se enamora da sombria belleza do mal, ou da immaculada candura do bem, assim elle trata com mais delicada predileção o eterno feminino que representa uma das faces do mesmo problema insoluvel.