FABRICIO
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Dos amigos de outr’ora,
Reduzida foi vendo de hora em hora...
Por fim sumiu-se ao longe o derradeiro,
E o miseravel, de ulceras coberto,
Sem vigor, sem saude, sem dinheiro,
Andrajoso, faminto noite e dia,
Nem mesmo tinha domicilio certo,
E muitas vezes no xadrez dormia.
Severa teve dó do desgraçado:
Uma noite, encontrando-o embriagado,
De roupa immunda e de sapatos rotos,
Servindo de joguete a alguns garotos,
Trouxe-o comsigo para o lar. (Que queres,
Leitor amigo? — tu, por mais que estudes,
Não saberás, talvez, de que virtudes
São susceptiveis todas as mulheres,
E esta era uma excepção, esta era um anjo!)
Quando o indigno marmanjo,
Acordou de manhã, ficou sorpreso
Por ver que no xadrez não estava preso.
Quando Severa viu na sua frente
E tudo adivinhou, teve uma crise
De lagrimas, e foi, provavelmente,
A vez primeira que chorou. — Tu... dize...
Tu perdoas-me? — Sim, mas prevenido
Fica de que não és o meu marido.
E’s um pobre diabo, que eu acolho
Sob o meu tecto, como acolheria
Outro qualquer; só por philantropia
Metto em casa um trambolho!