paixão que a rojava a seus pés! E perdia totalmente as noites, essas noites de agosto, traidoramente frias, em que a luz brilha mais, há mais perfume no ar e as brumas, ao longe, parecem sudários consoladores. Era um inebriamento até ao romper da alva. No fim, quase se arrastando, ia para o peitoril, como para uma tortura e do outro lado, a música inquisidora amortalhava-a desabridamente no delirante tropel do amor!

Ah! o gozo do som! Os seus nervos sensíveis chegavam ao pranto, ao soluço, ao sorriso, como hipnotizados. Cada nota já lhe exprimia um sentimento; os trechos repetidos pelo artista ela os seguia, adivinhando acordes, adivinhando sons, como se fizesse o exame da sua alma de amorosa, e de cada vez, mais maravilhada ficava, bebendo a pleno trago o delírio, a morte, o êxtase da música encantada. Decerto, ninguém, ninguém no mundo amava, sentia-se ainda com esse sagrado e impalpável amor. Encostava-se ao parapeito, esperava e era sempre com um susto que, de repente, ouvia abrir-se uma escala, como acordando o piano, e as duas vibrações de bordão, dois acordes de contrabaixo, pesados e sonoros. Depois, um som subia, outro respondia, o aviário se encadeava num trinado. Muita vez, o pianista que fundia a alma com as notas, tocava várias árias simples, com um ar velho, como se os séculos todos chorassem a vida; de outras, eram trechos modernos, trançando no ar uma flora bizarra de nervosos acordes e era então