uma revoada de dores, ais sem fim, queixas em harpejos arquejados, rugidos rubros de ciúme, em que o piano parecia abalado e a musica estrebuchava...
Nos últimos dias, a coitada ardia em febre, plenamente fora do mundo, gozando com um gozo feroz de agonisante, o amor incorpóreo, enquanto ao lado, noites em fora, as mãos invisíveis soluçavam a mágoa e a tristeza.
Ora, ontem, quando eu subia a escada íngreme da sua velha casa, d. Ana apareceu-me desgrenhada.
— Venha, acuda, a Carlota morre...
— Como foi isso?
— Sei lá! Passou toda a noite à janela; o músico não tocou, a chuva, hemoptises, sangue...
Na sala de visitas, a pobre Carlota, coitada! estava caída numa cadeira de braços, entre as bacias, as botijas, os panos, a lúgubre confusão que precede o eterno descanso. Fez um esforço, estendeu a mão.
— Estou à espera da música...
Deixei-a, despreguei-me pelas escadas. Era preciso que a música lhe levasse o supremo consolo. Entrei pela casa ao lado.
— O pianista? perguntei ao encarregado.
— O maluco? No primeiro andar, à direita, quarto n°. 5.
Subi, bati com força no quarto, empurrei a porta, desesperado. Encontrei um velho homem, magro e adunco.