Fez-me o efeito de um piparote no ventre. Respondi:

- Tenho sim. Por que pergunta? Ainda hoje sai com ele...

Gomes travara com a genial Zulmira Simões, oráculo teatral de aquém e de além-mar, uma discussão superior sobre Calderon de la Barca, a quem, aliás, ambos imputavam várias peças de Lope de Vega. Em tão elevada esfera da dramaturgia espanhola, Gomes não respondeu à minha pergunta, e eu que nessa noite não saí de casa, ao subir antes do chá, encontrei no corredor apenas o velho Melchior meio abatido, fechei a porta por dentro, dormi e no dia seguinte dei por falta do meu porte-monnaie de prata. Coisa estúpida afinal!

O gatuno - porque era o gatuno, não havia dúvida, - o gatuno ou farsista sem graça deixara a minha carteira e deixara até os níqueis, certo para mostrar que aquilo era seu, que aquilo estava ali porque ele voltaria. Que fazer? Prevenir o proprietário? Mas eu estava num hotel tão distinto! Era pouco correto e estabeleceria o desequilíbrio na confiança geral. Não! seria melhor esperar.

No dia seguinte, como voltasse de ouvir o D. Cesar de Bazan com Zulmira Simões e o brumeliano de Sousa, enquanto de Sousa subia à frente, a atriz murmurou:

- Ah! meu amigo, este hotel tem casos curiosos... Sabe que fui roubada?

- Sério?