mesmo do que nos repugna ao menos para jantar. E ele, perdendo a cor da face, impondo ainda o seu tipo sensual de adolescente, entrava em intimidades perigosas, arranjava pequenas ladroeiras mais perigosas que grandes roubos, metia-se em histórias inconfessáveis, e lentamente, cada dia descia mais.

Aquilo acontecera a tantos! Ele viera da terra remetido a um tio padre que vivia em mancebia com uma cabrocha gorda para os lados da Penha. Era forte, airoso e com essa sensualidade à flor da pele que só têm os homens de Portugal. Por causa da cabrocha o tio despachara-o para uma taberna na cidade. Ele ia indo bem e assim passou dois anos. Mas um dia uns camaradas lembraram ir ao teatro, a uma grande revista de certa companhia portuguesa. Foi, de terno novo, com um ramo de violetas à lapela. Nunca vira um teatro. Apaixonou-se por todas as mulheres, começou logo a considerar os cômicos grandes homens. Nessa noite esperou a saída dos artistas. No dia seguinte, apesar de tomar conta da taberna, às onze horas saiu pé ante pé para não acordar os outros, bateu a porta e voltou ao teatro. E como não tivessem percebido a sua fugida, todas as noites deu para fazer o mesmo. Estava de dia a cair de sono, mas já conhecia os coristas, já dizia a sua piada às coristas, já o porteiro da caixa lhe pedira dinheiro para o deixar passar, e uma artista, a Etelvina Soares, uma de pernas grossas, já lhe passara duas cadeiras de beneficio.