CAPITULO II
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todo o Paço. Chegou-se a relatar que «os cirurgiões, mau grado toda a sua pericia, não tinham podido embalsamar o corpo, sendo obrigados a pôr-lhe uma mascara »[1].

O decreto fôra tão ardilosamente concebido que não fazia referencia directa ou melhor dito, nominal ao successor do throno, como se se tratasse de uma questão sobre que não podia haver discussão: apenas rezava o legitimo herdeiro. O conselho que devia assistir a infanta regente não executava mais do que uma formalidade entregando a corôa áquelle a quem ella naturalmente cabia e que era o Imperador Dom Pedro. Assim deliberara aliás, ou pelo menos assim pensava sem sombra de duvida quando vivo o monarcha defuncto.

Na sua correspondencia official nega Sir William A' Court ter tido qualquer ingerencia no arranjo d'esta solução: dissera tão somente que, se na falta d'outras disposições, a regencia fosse parar ás mãos da Rainha, as auctoridades britannicas lhe prestariam o seu apoio «emquanto o governo fosse exercido com prudencia e circumspecção »[2]. Não que elle a desapprovasse: muito pelo contrario, partilhava-a de todo coração, e para Londres escrevia que a sorte protegia Portugal mais do que poderiam fazel-o todos os seus avisos e conselhos. Tinha elle, o que era naturalissimo, expressado em Lisboa a sua satisfacção da escolha feita: não quizera ir alem, e tampouco podia ficar aquem. Alguns queriam que elle houvesse assumido uma attitude mais accentuada, mas para que? Os fados tinham corrido de feição. Pela simples força das circumstancias chegara-se ao que se tornara de tão difficil execução por motivo da diversidade de vistas entre os ministros e da vacillação e desconfiança d'El-Rei. Demais a mais o desfecho parecia suscitar um contentamento geral, tanto quanto pelo menos era possivel esperar. A impressão commum era que, o Imperador renunciaria á successão e contavam os absolutistas que o fizesse em favor do irmão, uma vez prestada uma homenagem platonica á legitimidade. Era este o espirito que animava a deputação mandada ao Rio de Janeiro a render vassallagem ao soberano ephemero de Portugal.

Para o diplomata inglez o que importava essencialmente era o ponto de vista britannico. Nem seria preciso que lh'o tivesse ensinado Canning quando declarou, no decorrer das negociações relativas ao reconhecimento do Imperio brazileiro, que

  1. Du complot contre le prince D. Miguel, infant du Portugal, ou introduction a l'histoire secrète du cabinet de Lisbonne, par un loyal Portugais. Pariz, 1826.
  2. Despacho de 9 de Março de 1826, B. R. O., F. O.