CAPITULO II
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Sir William A' Court n'ella enxergava o grande, o unico perigo, e escrevia a Canning que «a regencia derivará do facto de haver sido installada em vida do monarcha uma força e uma estabilidade immensas e talvez d'ahi lhe provenham valor e animo bastantes para resistir a qualquer tentativa da Rainha para apoderar-se do poder se por acaso ella n'isso pensar apoz a morte do marido »[1]. Dona Carlota Joaquina, procedendo com tino e com tacto, não se queixou todavia da sua exclusão humilhante, declarando-se antes satisfeita: parecia n'isto sincera e dizia-se de resto tão combalida que era facil acreditar que o seu temperamento buliçoso tivesse com isto soffrido na sua vivacidade. Sua calma forçada era uma garantia da do partido liberal adverso, na capital sobretudo, onde este tinha maior numero de adeptos.

Dona Carlota Joaquina tomou aliás como pretexto o ar vivo de Lisboa, sempre batida de ventos, para expressar depois de viuva o desejo de permanecer em Queluz, onde nos ultimos tempos a tinham de quarentena e sob vigia. Na sua companhia tinha a mais nova das filhas, a infanta Dona Anna de Jesus Maria, que Don Juan Valera conheceu em 1850 e a quem qualifica de «muy alegrita pero ya jamona »[2]; mas queria tambem ter comsigo as duas outras, o que não era comtudo possivel, pelo menos a regente, a quem suas funcções officiaes prendiam ao lado dos seus ministros e dos seus conselheiros. Não deu porem á filha de começo senão conselhos excellentes: não fazer mudanças de sopetão, desvanecer toda inquietação do espirito publico, extender sua protecção mesmo aquelles que a Rainha considerava seus maiores inimigos. Jogava a partida com a sua costumada intelligencia, reservando dentro d'alma para o filho idolatrado, cujo regresso não poderia ser muito postergado, a faina da limpeza que seria tambem a obra da vingança.

O embaixador britannico não podia acreditar no que via, maravilhado ante o espectaculo de tanta virtude, sempre pensando que a enfermidade era a razão da conversão, e tambem o abandono dos partidarios, pois, escrevia elle a Canning[3], não é do caracter portuguez (melhor diria do caracter de povo algum) « arriscar o quer que seja em favor d'alguem que corra o perigo de não viver mais bastante para galardoar os serviços prestados ».

  1. Despacho de 7 de Março de 1826, B. R. O., F. O.
  2. Correspondencia, 1 (1847-57). N'outra carta de Lisboa assim se refere á infanta, duqueza de Loulé: «Debe haber sido hermosisima mujer, pero ya está estropeada asaz y algo arrugadilla».
  3. Despacho de 14 de Março de 1826. B. R. O., F. O.