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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

mercê de um aventureiro?[1] Como é que Dom Pedro poderia pensar em renunciar a sua renuncia virtual e retomar o sceptro de um Reino Unido, o qual deixara de existir precisamente pela sua iniciativa? A melhor prova da illegitimidade da sua auctori- dade como soberano de Portugal, bem patente aos olhos dos seus adversarios, consistia em que, segundo o parecer d'estes, era elle o unico a estar persuadido que poderia em qualquer tempo subir ao throno de Lisboa como se não houvesse dilacerado a monarchia.

Não era exactamente assim. A Hespanha exagerava. Dom Pedro tinha um certo numero, pode mesmo dizer-se um numero consideravel de partidarios portuguezes, adeptos das doutrinas constitucionaes que a Inglaterra patrocinava porque em summa eram as suas, com a condição entretanto que essa constitucionalidade não fosse homogenea e indivisa. O marquez de Rezende, que era entendido em cousas diplomaticas, explica muito bem a este proposito que a Inglaterra invariavelmente cuida de pôr seu poderio politico ao serviço da sua expansão commercial afim de augmentar aquelle por meio d'esta. O seu elemento mercantil desejara vivamente e favorecera a separação formal occorrida em 1822 entre Portugal e Brazil á vista dos bons resultados que lhe trouxera a independencia das colonias inglezas da America do Norte. Era natural que a independencia das opulentas colonias ibericas da America do Sul determinasse um augmento immenso dos lucros da industria britannica, abrindo vastos mercados aos seus productos manufacturados.

A Austria conveio com a Inglaterra, pela voz de Metternich, que Portugal «não era o imperio dos Incas, onde os irmãos mais moços succediam aos mais velhos em detrimento dos filhos d'estes». A Austria queria fazer prevalecer os direitos da princezinha, neta, pela mãi, do Imperador Francisco I, e Canning declarava estar absolutamente satisfeito com a attitude de Metternich o qual, no seu cynico realismo, tanto se importava com que o Brazil fosse governado do Rio ou de Lisboa, comtanto que fossem preservadas as formas monarchicas. Agradara-lhe a fundação de um imperio na America, preferindo o governo de um soberano ao de uma assembléa demagogica, como no seu conceito tinham sido as Côrtes e a Constituinte.

As duas chancellarias, a de Londres e a de Vienna, tinham encarado o problema da successão portugueza de forma

  1. Esse conselho foi reilerado em carta de 12 de Maio de 1822, confiada ao Marquez de Rezende e mais tarde exhibida an Imperador d'Austria. (Marquis de Rezende. Eclaircissements historiques sur mes négotiations relatives and affaires de Portugal... Pariz, 2. ed., 1832):