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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

reschal julgava o marquez « um homem muito honrado», mas tão possuido de imaginação, o poeta primando o mathematico, que não se podia a gente fiar muito n'elle como politico. O marquez de Barbacena, como de costume, via as cousas mais claro e apontava para os inconvenientes e perigos da união, em flagrante contraste com as proprias declarações anteriores do soberano. Foi esta opinião precavida a que prevaleceu no conselho d'Estado de 28 do mesmo mez, cuja reunião foi tumultuaria, escreve o ministro d'Austria, conformando-se Dom Pedro em parte graças á então « viscondessa de Santos, que n'este negocio se mostrou uma brazileira muito decidida (très emportée) »[1].

Para amaciar o austriaco, o Imperador fallava no veto absoluto que a sua Carta comportaria, mas o diplomata arreceava-se da sua versatilidade de idéas e de vistas, assim como da de alguns dos seus ministros: o marquez de Caravellas, por exemplo, era nas suas palavras, « um jacobino de marca». Jacobino no seu conceito seria todo e qualquer liberal.

A abdicação appareceu logo depois e a Mareschal se afigurou que com grande aprazimento de Dom Pedro. «Não é possivel, escrevia elle ao chanceller, fazer mais graciosamente um maior sacrificio... Não voltei ainda a mim do espanto de ver a facilidade com que S. M. (Mareschal já muito protocollarmente lhe dava o tratamento de Magestade porque Dom Pedro era Rei demissionario) tornou atraz da sua primeira deliberação, que era absolutamente a de ficar com tudo. O que o levou a recuar foi o raciocinio externado pelo partido brazileiro de que, acceitando, viraria contra si todos os argumentos de que ha trez annos se servia. Com effeito, tendo mesmo em vista suas ultimas proclamações da Bahia, se sente toda a difficuldade em que o collocou a linguagem pouco commedida dos seus actos e proclamações. Como quer que seja, todos parecem satisfeitos e eu não penso aventurar muito ao dizer que por meio d'este acto a posição de S. M. na America se robusteceu e ficou mais estavel. Se era pois desejavel o estabelecimento de uma grande monarchia no Novo Mundo, não pode senão ser approvado aquillo que encerra a vantagem de consolidal-a. Tal é pelo menos, meu principe, a opinião muito geral aqui, mesmo entre o partido portuguez, o qual sente commummente que a sua situação se tornou mais assegnrada».

Mareschal julgava que a abdicação imperial dera o derradeiro golpe no partido republicano brazileiro.

  1. Despacho de Mareschal a Metternich de 4 de Maio de 1826, no Archivo de Vienna.