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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

culares nada soffreriam com isso, pois que a Casa do Infantado que elle herdava e que era uma fundação creada em 1654 em beneficio dos filhos mais novos do soberano, já fôra collocada sob uma administração separada.

A infanta Izabel Maria aliás cedo tomou gosto pelo poder. Os funeraes do Rei tiveram lugar a 15 de Março: a 16 as princezas foram a Queluz passar o dia com a mãi e no dia immediato mandava a regente pedir a Sir William A' Court que viesse vel-a immediatamente, porque tinha muito para lhe dizer. Ao transmittir este desejo ao embaixador, Porto Santo adiantava que se tratava de um pedido de tropas inglezas.

Deplorando que a cordialidade se não restabelecesse entre os membros da familia real, o que podia vir a constituir uma ameaça para o socego publico, narrou o embaixador a Canning que encontrara a infanta muito inquieta e agitada. Sua entrevista na vespera com a Rainha, permitindo-lhe sondar a profundeza da ambição de sua mãi, lançara o alarme no seu espirito. Dona Carlota Joaquina nada lhe dissera de natureza a revelar despeito ou a despertar suspeitas; mas era justamente a affectação de humildade a proposito da sua exclusão forçada do governo que inspirava temores. Dona Izabel Maria já tinha 25 annos e conhecia em demasia a mãi para deixar-se embair pelos seus modos, dulcifluos em certas occasiões. A Rainha aspirava a afastar sua filha das funcções que lhe tinham sido confiadas e governar Portugal, quando não directamente, por intermedio do filho Dom Miguel, cuja volta devia ser urgentemente reclamada. Em Madrid o infante Dom Carlos, irmão de Dona Carlota Joaquina, mostrara-se exasperado ao saber da exclusão e solicitara a prompta invasão de Portugal afim de se endireitarem as cousas, sendo restabelecida a legalidade[1].

A Rainha sómente fallou á filha em fazer-se inserir na Gazeta de Lisboa um artigo eximindo-a de toda responsabilidade na eventualidade de uma revolução, que ella certamente estava preparando ou pela qual fazia votos. Tambem mencionou a vantagem de serem despedidos alguns dos ministros; mas a regente protestou não querer modificar o governo que fora o do pai e procurar conserval-o até a proclamação do novo soberano. O deposito que do defuncto Rei, recebera in articulo mortis era-lhe tão caro quanto sagrado, e seu dever consistia em corresponder aquella suprema confiança com toda sua lealdade e gratidão, aguardando o bel prazer do irmão Dom Pedro, a quem era sincera e ternamente dedicada.

  1. Despacho de A'Court a Canning de 27 de Março de 1826, B. R. O., F. O