CAPITULO VI
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Miguel favorecia Dom Pedro, enxergava nos ajustes concluidos puros negocios de familia e perguntava com um resaibo revolucionario, se bem que legal, «quando as nações seriam consultadas e attendidas em tratados nos quaes ellas se achavam pelo menos tão interessadas quanto os que os assignavam ou ratificavam ? »

O duque de Cadaval, membro da regencia e primus inter pares dos aristocratas portuguezes, debalde propuzera entregar ás Côrtes o conflicto dynastico, que fôra subtrahido mesmo ao julgamento do resto da familia real. Argumentava-se que, não se havendo reunido Côrtes por mais de um seculo, a necessidade constituira o Rei legislador pelo menos temporario e o Rei visivelmente dispuzera em favor do seu primogenito. Ora, « aonde a intenção das partes contractantes é plena, a intenção é tambem o unico interprete de um contracto nos casos da lei internacional»[1].

Afóra a manifesta intenção do monarcha fallecido, o direito de Dom Pedro era por si liquido no entender dos seus partidarios e por isto mesmo não cabia a Dom Pedro cortejar a opinião, no que elle costumava fazer alarde com desprezo da maxima de Metternich de que a opinião publica é boa guia mas ruim ama. O mencionado folheto inglez lembra que «quando Bonaparte voltou á França depois da batalha dos trez imperadores, agradeceu aos francezes a sua fidelidade, e todos os jornaes inglezes gritaram : se elle tivesse direito a ser Imperador dos francezes não dava tal agradecimento.

Outro argumento era que o tratado de separação vedava com effeito a posse conjuncta das duas coroas, sem enfraquecer porem o direito hereditario á corôa portugueza. Havia a faculdade da escolha, que comportava a da transmissão, debaixo da regra que «a successão desce emquanto ha descendentes e só diverge para os lados quando aquelles não existem». O argumento é apenas apparentemente solido porquanto a opção já se verificara, tanto assim que se dizia não poder a posse de modo algum continuar permanentemente com o seu duplo caracter. Os dous paizes estavam em tudo separados, com as relações diplomaticas entre si que costumam manter as potencias estrangeiras umas com outras. Portugal achava-se representado no Rio desde 8 de Janeiro de 1826 por um encarregado de negocios, Carlos Mathias Pereira, antigo caixeiro de uma casa de commercio ingleza (como de resto o habil Ga-

  1. Questão Portugueza traduzida de um jornal inglez por um verdadeiro patriota. Lisboa, 1827.