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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

functo ou ao novo monarcha a faculdade de escolher o seu successor.

A designação de Dom Pedro IV por Dom João VI era destituida de valor legal, como o era a abdicação do Imperador em favor de sua filha, quando seu irmão existia e o privilegio de uma acclamação real pertencia em ultima instancia e exclusivamente á representação dos Trez Estados — nobreza, clero e povo[1]. A Carta Patente de 1825 não tinha o poder de reempossar na nacionalidade portugueza o principe que a rejeitara. Chapuis[2] tinha tanta razão que foi expulso do Rio de Janeiro por havel-o escripto.

Tudo mais era jogar com palavras. O espirito de partido tomava o lugar do espirito de legalidade. Os constitucionaes chegavam a pretender que Dom Pedro apenas cessaria de ser Rei de Portugal apoz consummado o casamento da filha, visto que o seu enlace com o tio era uma das condições da abdicação. Ficava assim a um tempo tutor e monarcha, podendo eleger seu lugar-tenente. Os que assim pensavam esqueciam ou dissimulavam que a dualidade da sua personalidade politica representava o principal obstaculo á proclamação unanime do Imperador do Brazil como Rei de Portugal, e que em caso algum podia elle, nem deveria se o pudesse, combinar esse duplo caracter. As condições por elle impostas para tornar effectiva a sua renuncia não eram de força a prevalecer contra a impossibilidade insuperavel creada pelo seu proprio proceder.

Citava-se como exemplo de um eventual dualismo o dos reis da Grã Bretanha, que então eram igualmente reis de Hanover. O caso era porem diverso. A Casa de Hanover fôra reinar na Inglaterra por direito de successão, na falta de outros herdeiros, a descendencia de Jayme II sendo excluida do throno pela sua fé catholica. Com o Brazil se tratava de uma antiga dependencia da corôa de Portugal á qual um dos seus reis doara autonomia erigindo-a em reino e que o principe herdeiro scindira da monarchia, desviando em seu proveito o sentimento de absoluta independencia que se desenvolvera e que se manifestava arisco e intransigente.

Pela irregularidade dos seus processos, o que equivale a

  1. A delegação portadora das homenagens da regencia ao novo soberano compunha-se do duque de Lafões, arcebispo Lacedemo e do magistrado Francisco Eleutherio.
  2. Chapuis era um publicista francez que dirigiu em Madrid o Regulador, foi jornalista em Lisboa e acabou por se refugiar no Brazil, sendo em toda parte perseguido por motivo das suas idéas consideradas em demasia radicaes. Suas Reflexões sobre a Carta de Lei de S. M. Fidelissima são incisivas. Mareschal escreve que a expulsão do auctor foi um acto pessoal de Dom Pedro. (Despacho a Melteruich de 4 de Maio de 1826, no Archivo de Vienna).