CAPITULO VI
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dizer por sua propria culpa, Dom Pedro achava-se de resto collocado ante uma alternativa igualmente illegal. Escolhendo a filha para herdeira de Portugal, violava a lei fundamental do reino, tomando uma iniciativa alem do seu poder e alterando na essencia a ordem da successão: por outro lado não podia escolher seu filho varão, o futuro Imperador Dom Pedro II, o qual nascera no Brazil, como Dona Maria da Gloria, mas depois da independencia, e conseguintemente era ainda mais estrangeiro do que elle.

Aliás o imperio do Brazil, pela sua origem e pelo seu cunho popular, parecia mais de natureza a ser governado por um homem do que por uma mulher : esta estaria mais no seu lugar como a soberana de um paiz tradicional onde a creação, mediante a Carta, de uma Camara dos Pares hereditaria, concedia á aristocracia uma parte importante e permanente na administração publica.

O «direito divino» vira seu prestigio esboroar-se sob as rajadas dos philosophos e os golpes da revolução: era na soberania do povo que se iria agora buscar a justificação de um restabelecimento da realeza absoluta. Dom Miguel, seu representante, duas vezes jurou uma Constituição — mas que importa? Seu irmão prestara, como regente do Brazil, juramento de fidelidade ao Rei de Portugal e deixara-se ou fizera-se no emtanto proclamar imperador. As Côrtes possuiam plena auctoridade para modificar as leis do paiz e alterar mesmo a ordem da successão tinham-no feito nos reinados de Dom João IV e de Dom Pedro II com relação ás estipulações que se fazia remontar ás Côrtes de Lamego. Dom Pedro IV esqueceu-se ou descurou convocal-as para homologar seus actos. O povo desejava de facto um senhor, mas queria começar por affirmar, por instincto que fosse, que lhe era superior, pois que n'elle delegava sua auctoridade collectiva.