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DOM PEDRO E DOM MIGUEL
CAPITULO VIII


A interinidade constitucional


A Carta Constitucional foi solemnemente jurada em Lisboa a 31 de Julho e o tom da proclamação da infanta, datada de 1.º d'Agosto, denuncia claramente as influencias que sobre ella actuavam n'essa occasião. Canning desapprovou muito a forma d'esse documento, achando que n'elle se abandonara a linguagem «contida e medida» (guarded and temperate) que até então assignalara as declarações da regente, para adoptar-se um ar « fanfarrão e declamatorio» (vaunting and exclamatory) exprimindo intimações de vingança — em summa um sabor revolucionario[1].

O estadista inglez pensava que Portugal devia esforçar-se por não provocar a Europa e particularmente a Hespanha. Era mistér usar de moderação, ser differente do que se fôra em 1820-22 — « distanciar o mais possivel a orientação dos novos debates da d'aquellas cortes, em vez de recordar ao mundo o alarme causado pela sua extravagancia »[2]. Entretanto espiritos desannuviados mas equilibrados como o de Almeida Garrett, o mais brilhante representante do romantismo em Portugal, entendem que a revolução de 1820 não ousou emprehender uma reorganização social radical bastante, conforme o exigiam as condições do paiz. Apenas mudaram os homens, isto é, o pessoal governativo: as cousas ficaram mais ou menos no que estavam[3].

Em Londres, em Vienna e em Pariz commentou-se a phrase

  1. «Como a primeira entre as subditas de S. M. I. e R. é meu primeiro dever pôr em immediata e rigorosa execução a Sabia Carta Constitucional que do alto do seu throno deu aos seus subditos portuguezes Meu Augusto Irmão e nosso Legitimo Soberano Dom Pedro IV, cujo nome glorioso é repetido com admiração, respeito e estupefacção na America, na Europa e no mundo inteiro. Executarei pois e farei executar esse immortal Codigo Constitucional, unica taboa da nossa salvação politica. Ai d'aquelle que fizer opposição. A Lei o punirá sem piedade e eu serei tão inexoravel quanto a Lei».
  2. Despacho de 19 de Agosto de 1826, B. R. O., F. O.
  3. Portugal na balança da Europa.