35.1
2019

Emília, a cidadã-modelo soviética

russo, “Piôrichko”) [Пёрышко], mas sem nenhuma menção a seu nome, Peter Pan[1] - apesar de se mencionar diversas vezes o uso de “pó de pirlimpimpim” [порошок пирлимпимпим] (Lobato, 1961b: 163, 230, 254).

Apesar das grandes mudanças, comuns na tradução soviética, que segue uma tradição de recontagem e adaptação forte para trazer proximidade do leitor e elementos de domesticação, o volume mantém um enorme estranhamento e estrangeirização, com nomes de frutas e outros elementos exóticos – algo que, assim como no caso das traduções de Jorge Amado para o russo, também se mostrou hábito da escola soviética para determinadas literaturas traduzidas (Darmaros, 2016).

ii) Emília, a bem comportada boneca soviética, e a professora Nastácia

Os maus modos de Emília, talvez a grande tônica da obra infantil de Lobato, com sua ironia, crueldade, racismo e todo tipo de preconceito, esperteza, egoísmo, bullying e outros elementos politicamente incorretos, são bastante amenizados, da mesma forma que eventual mau comportamento de outros personagens. Assim, a versão soviética mostra os moradores do sítio (ou melhor, “membros da Ordem”), como mais politicamente corretos, moralistas, ensinando um bom comportamento que seria, portanto, inerente à nação brasileira, e seguindo a tradição moralista da literatura infanto-juvenil que vimos na Seção 3. O próprio Lobato como narrador é corrigido pelos soviéticos, como vemos neste trecho, logo no início da obra:


Original: ... tia Nastácia, negra de estimação que carregou Lúcia em pequena (Lobato 1980: 9)
Russo: ... тетушка Настасия, добрая старая негритянка, нянчившая Лусию...” (Lobato 1961a: 4)
Tradução do russo: “...tia Nastácia, a boa e velha negra que cuidava de Lúcia…”


Com a boneca, são infinitas as intervenções. Por exemplo, logo depois do casamento de Emília com Rabicó, os comportamentos de

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  1. Iniciam-se as menções a “Peninha” na parte 7 da adaptação russa, “A pena do papagaio”, capítulo 1, “Voz”, p. 155.