35.1
2019

Emília, a cidadã-modelo soviética

А я ведь только хочу, чтоб мои записки были получше. (Lobato 1961a: 265)
Tradução do russo: - E o que você acha, Visconde? Será possível que sejam poucas as pessoas no mundo que fazem seu trabalho com as mãos dos outros e recebem dinheiro pelo trabalho dos outros e fama pelas ideias dos outros? E ainda chamam isto de “saber se virar”... Mas eu apenas quero que minhas memórias saiam melhores.


O repetido corte da ideia de “esperteza” é sintomático. O radical e palavras derivadas que melhor substituem “esperteza”, “esperto” e derivados em russo, ou seja, “kitrost”, “khitri”, “khitraia”, “khitro”, “khitroumni”, “khitrets”, e até os verbos derivados, “ukhitritsia”, no sentido de “dar um jeito”, “fazer uma mutreta”, e “khitrit” [хитрость, хитрый, хитрая, хитро, хитроумный, хитрец, ухитриться, хитрить] aparecem, no texto vertido por Tinniânova, de maneira muito mais modesta que na obra original – mais precisamente, 11 vezes ao longo do livro todo.

O próprio subcapítulo de Memórias de Emília intitulado “Diálogo entre a boneca e o Visconde. A esperteza da Emília e a resignação do milho” é vertido ao russo como “Mejdu grafom i Emiliei proiskhodit obiasnenie. Nastoitchivaia kukla i pokorni Mais” [Между графом и Эмилией происходит объяснение. Настойчивая кукла и покорный Маис], onde “esperteza” vira “persistência” (traduzido do russo por nós: “Entre o conde e Emília ocorre uma explicação. Boneca persistente e Milho resignado”).


Emília é uma tirana sem coração. Não tem dó de nada. Quando tia Nastácia vai matar um frango, todos correm de perto e tapam os ouvidos. Emília, não. Emília vai assistir. Dá opiniões, acha que o frango não ficou bem matado, manda que tia Nastácia o mate novamente – e outras coisas assim (Lobato 1978: 77).

Na versão russa, porém, a morte não é banalizada e recorrente, e Emília apenas “participa e dá conselhos”, apesar de ainda continuar uma “besserdetchnaia tiranka” (Lobato 1962: 268).

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