35.1
2019

Emília, a cidadã-modelo soviética

coisas elevadas que os outros julgam que entendem” (Lobato 1978: 13), assim como a ideia de que Emília estaria sendo “filosófica”:


Aquela explicação era positivamente filosófica.

— E como sou filósofa — continuou Emília — quero que minhas Memórias comecem com a minha filosofia da vida. (Lobato 1978: 13)


O mesmo acontece com a conclusão a que Emília chega: “Está vendo como é filosófica a minha ideia?” (Lobato 1978: 13).

iv) Peter Pan e Hollywood

Referências ao mundo cultural anglófono foram, em geral, apagadas ou maquiadas na obra de Lobato traduzida para o russo. As histórias de Peter Pan, por exemplo, permanecem, mas o personagem nunca é chamado pelo nome, mas sim de “Peninha” (em russo, “Piôrichko”) [Пёрышко]. O fato é compreensível, já que as obras de Lobato foram publicadas na URSS entre 1958 e 1961, e Peter Pan foi um personagem censurado nas prensas soviéticas até 1968 (após um longo hiato, é neste ano que ele volta a ser publicado no país). Antes disto, o livro Bélaia Ptítchka [Белая птичка] (em inglês, The Little White Bird), que introduz pela primeira vez Peter Pan, já havia sido vertido ao russo pela tradutora Avgusta Filippovna Damanskaia (1877-1959) e publicado no país entre 1918 e 1923[1]. A tradução que é finalmente permitida em 1968 é de autoria de Nina Demurova, e considerada exemplar, comparada à tradição soviética:


Pode-se dizer que o leitor russófono tem alguma ideia da literatura infantil vitoriana graças a Nina Demurova, que ignorou completamente os costumes para a prática soviética de estratégias de adaptação e deixou na literatura inglesa do século 19 e começo do 20 toda sua inerente complexidade, tristeza, sentimentalismo e excentricidade (Borisenko 2017).


A verdade é que, para chegar a este resultado, Demurova teve que esperar 12 anos com o livro na gaveta e fazer muitos contatos. Suas atividades em prol da publicação de Peter Pan reforçam nossa

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  1. Ver: BARRIE J.M. Belaia ptitchka. Petersburgo: Gosudarstvennoie izdatelstvo, 1922. e BARRIE J. M. Belaia ptitchka. Berlim: Ogonki, 1923.