Dai-me o que ouvi narrar, dai-me os arcanos
Do abysmo descoser caliginoso.
D’erma noite iam sós no escuro involtos,
Por vã plutonia estancia e vacuos reinos,
280Qual se anda á luz fallaz da incerta Lua
Por matas, quando Jove embrusca o pólo
E ás cousas tira a côr tristonha treva.
No vestibulo mesmo, ás fauces do Orco
Se aninha o ultriz Remorso, e o Lucto e o Medo;
285Pallidos Morbos e a Velhice triste,
Má conselheira a Fome e a vil Penuria,
Visões de horror; da mente os ruins prazeres,
E a Morte e a Lida, e o Somno irmão da Morte:
De fronte a lethal Guerra, e em ferreo catre
290As Furias, e a Discordia insana que ata
Cruentos nastros na viperea grenha.
No centro, annosos braços largo e opaco
Olmo expande, e nos ramos se diz moram
A cada folha os sonhos vãos pegados.
295Monstros mil aos portaes, biformes Scyllas,
Os Centauros, as Górgonas se alojam,
Mais o animal de Lerna horri-stridente,
E o phantasma tricorpore e as Harpyas.
Eis de pavor o gume saca Enéas,
300Tem-se á espera; e, se a mestra não lhe adverte
Que eram sem corpo avoejantes vidas
E oucas fórmas subtis, elle investira
E de aço inutil açoutara sombras.
Daqui parte o caminho do Acheronte,
305Que em funda bólha férvida voragem,
E ao Cocyto arrebeça arêa e lodo.
Fero esqualido arraes guarda estas aguas,
Charonte hediondo, cuja barba espessa
Branquêa inculta, os lumes lhe chammejam,
310E aos hombros suja capa em nó lhe pende: