Puxando á vara, ou mareando as vélas,
Em cymba enfarruscada os vultos passa;
Velho, mas como um deus, robusto e verde.
Tropel confuso ás margens se arremessa:
315Bravos guerreiros de alma luz privados,
Varões, meninos, mães, innuptas virgens,
Jovens ante seus paes á queima entregues:
Quantas no outono as despegadas folhas
Cahem aos primeiros frios; ou quam bastas
320Glomeram-se aves do alto pégo á terra,
Quando alêm-mar a temperados climas
Gelido anno as envia e as afugenta.
No transporte rogando a preferencia,
Avidas mãos á opposta riba estendem:
325Brusco admitte o barqueiro estes e aquelles;
Muitos porêm da praia arreda esquivo.
A Enéas o tumulto espanta e abala:
«Porque, ó virgem, das almas o concurso
Busca este rio? porque enxotam-se umas,
330E o vao lívido a remo as outras varrem?»
Breve torna a longeva: «Ó nobre cabo,
Diva prole certissima, o estagnado
Cocyto vês profundo e a crua Estyge,
Por quem temem faltar jurando os numes.
335Pobre turba inhumada he quanto avistas;
Charonte, o arraes; sepultos, os que embarcam.
Nem pode algum, se os ossos não descansam,
Montar a margem torva e rouca vêa:
Cem annos volteando anciosos vagam;
340O estanque alfim revêr, transpôr conseguem.»
O Anchisiades pára, e a sorte iniqua
Detem-se a contemplar. Devisa afflicto
Mestos, sem funeraes, Leucaspe e Oronte,
Chefe da lycia esquadra; os quaes, de Troia
345Partidos, por tormentas sossobraram,