Inscio, atalhado, a causa indaga Enéas,
Que rio este he, que gente em cópia tanta
Lhe enche as ribas. «Aos corpos destinados,
Dice o padre, almas sam que eterno olvido
735N’agua lethéa descuidosa bebem.
Muito ha que t’ás mostrar e expôr-te anhélo
Dos meus a descendencia; afim que ainda
Te regozijes mais da Italia achada.»
Pois[1] he crivel, meu pae, que almas sublimes
740Aos tardos corpos, resurgindo, voltem?
Oh! desejo de vida insano e triste!
«Não fiques mais suspenso; eu vou por ordem
Cada cousa expender-te: escuta, ó filho.
Desde o princípio intrínseco almo espirito
745Céos e terra aviventa e o plaino undoso,
O alvo globo lunar, titaneos astros,
E nas vêas infuso a mole agita,
E ao todo se mistura: homens e brutos,
Volateis gera e anima, e o que de monstros
750O crystal fluido esconde. Ha nas sementes
Ignio vigor divino, emquanto a noxia
Materia o não retarda, nem o embotam
Orgãos terrenos, moribundos membros.
Daqui vem dôr, prazer, cubiça e medo;
755E á clara alteza os miseros não olham,
Em cega negregura encarcerados.
Nem perdem, quando a luz vital se extingue,
De todo as fezes e mundanos vicios:
Muitos, concretos longamente, he fôrça
760Que nellas durem por teor pasmoso.
Em tratos pois seus erros pagam todas:
Qual pende aos ventos; qual da culpa as nódoas
Lava em golpho espaçoso, ou dile ao fogo.
Cada um soffre em seus manes: poucos temos
765Ao depois do amplo Elysio as doces veigas;

  1. Esta fala de Enéias não recebeu aspas na edição da Eneida Brazileira; no Virgilio Brazileiro é marcada por travessões.