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Expulsar, aos bocados, a existencia
Numa bacia automata de barro,
Allucinado, vendo em cada escarro
O retrato da propria consciencia!

Querer dizer a angustia de que é pábulo,
E com a respiração já muito fraca
Sentir como que a ponta de uma faca,
Cortando as raizes do ultimo vocabulo!

Não haver therapeutica que arranque
Tanta oppressão como si, com effeito,
Lhe houvessem sacudido sobre o peito
A machina pneumatica de Bianchi!

E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba
A erguer, como um chronómetro gigante,
Marcando a transição emocionante
Do lar materno para a catacumba!

Mas vos não lamenteis, magras mulheres,
Nos ardôres damnados da febre héctica,
Consagrando vossa ultima phonética
A uma recitação de miseréres.

Antes levardes ainda uma chimera
Para a garganta omnivora das lages
Do que morrerdes, hoje, urrando ultrajes
Contra a dissolução que vos espera!

Porque a morte, resfriando-vos o rosto,
Consoante a minha concepção vesánica,
É a alfandega, onde toda a vida orgánica
Ha de pagar um dia o ultimo imposto!